Serviço de psiquiatria servirá como reforço à rede pública e como fonte de pesquisa para alunos de Medicina.
O tratamento dos dois principais males mentais associados ao suicídio ganha reforço na região a partir de outubro. É o mês em que a Univates dá início ao Programa de Pesquisa e Ensino em Transtornos de Humor, que, em um centro próprio, irá atender pacientes com depressão e transtorno bipolar encaminhados pela rede pública.
O modelo é baseado no que já ocorre no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre. Na capital, o trabalho é coordenado pelo presidente da Associação de Psiquiatria do RS, Flávio Milman Shansis, que também é professor do curso de Medicina da Univates.
Segundo o coordenador da graduação, Fernando Godoy, os atendimentos provenientes de CAPSs e unidades básicas de saúde ajudarão a construir conhecimento científico sobre transtornos de humor e suicídio. Ao mesmo tempo, irão suprir uma deficiência do SUS, que é a regularidade no atendimento. “A intenção é acompanhar o paciente de 15 em 15 dias”, diz.
Outro aspecto relevante que será observado nesse ambulatório são as respostas às medicações. Com um acompanhamento frequente, os profissionais poderão definir substituições e dosagens, além de apontar quais formulações são mais eficazes em cada tratamento, seus efeitos colaterais e, por consequência, o custo-benefício à rede pública.
Ainda faltam alguns ajustes para moldar o funcionamento do espaço, que está inserido no Centro Clínico, mas a tendência é que absorva pacientes de todo o Vale, e não apenas de Lajeado.
Segundo Godoy, a iniciativa é, também, uma resposta à alta taxa de suicídios registrados nas redondezas. Segundo o Boletim de Vigilância Epidemiológica de Suicídio e Tentativa de Suicídio divulgado em 2018, no Vale do Taquari a taxa é de 28,7 a cada 100 mil habitantes e, no Vale do Rio Pardo, de 17,2 a cada 100 mil habitantes.
Atendimento ao aluno
No ambiente acadêmico, a Univates conta com um serviço específico de atendimento psicológico. Os alunos recebem até quatro sessões gratuitas nesta modalidade, servindo também como um processo de triagem.
Quando há necessidade, o aluno é encaminhado para a modalidade de psicoterapia, com preço especial. O atendimento ocorre na própria instituição, por quatro psicólogas, com frequência semanal. O valor da sessão de psicoterapia é de R$ 25.
Já os futuros médicos contam com um atendimento ainda mais específico, no Núcleo de Atendimento Psicológico ao Estudante de Medicina. Segundo o professor Alexandre Kieslich da Silva, esse serviço deve ser aperfeiçoado em breve, já que ele e a professora Fernanda Gabriel Santos da Silva foram para a Universidade de Nevada, nos EUA, onde fizeram um treinamento no protocolo TOPPS. “É para melhora de performance e qualidade de vida em estudantes de Medicina”, comente.
Setembro Amarelo em Lajeado
A maior cidade do Vale registrou 12 mortes por suicídio até a última quinta-feira, 29. Segundo a coordenadora da Saúde Mental, Graciela Gema Pasa, todas as unidades de saúde da cidade acolhem e direcionam as demandas associadas ao risco de suicídio, que vão desde pensamentos de morte, tentativas de suicídio ou suicídio consumado – com acompanhamento e suporte de famílias enlutadas.
“O acolhimento e encaminhamento envolvem a gravidade do quadro identificado. Podem ocorrer encaminhamentos aos Centros de Atenção Psicossocial, UPA ou serviço de emergência hospitalar”. Além disso, acrescenta, as unidades básicas atuam na prevenção por meio de práticas de grupos focados na promoção da vida.
Em alusão ao Setembro Amarelo, a secretaria de Saúde organiza uma caminhada com o mote Promoção da Vida, em data a ser definida. Também serão promovidas capacitações internas para os profissionais da rede de atendimento.
“Tentamos suprir o sofrimento com mais atividades”
A psicóloga Ester Weissheimer Braun fala sobre os sinais que podem indicar tendência suicida.
Chama atenção o crescimento de suicídios entre jovens. Como a Psicologia explica isso?
Ester Braun – O suicídio é a última instância de um excesso de sofrimento. Vemos muito isso entre os jovens, atrelado ao silêncio, a uma vida reclusa, baseada em frustrações, pressões externas. Sai da infância, entra na adolescência, tem todo o mercado de trabalho super disputado, famílias desestruturadas, convívio complicado. O jovem não sabe quem ele é: não é mais criança, mas também não é adulto. Essa instabilidade emocional e esse silêncio, muitas vezes levam ao suicídio. A internet até preenche o anseio por comunicação, mas não vai ter o retorno ideal. Por isso, pais de crianças e adolescentes têm que saber o que eles estão vendo na internet.
Quais fatores podem culminar em pensamentos suicidas?
Ester – Mais de 90% dos casos de suicídio tem a ver com doenças mentais. Num esgotamento das emoções, o sujeito toma a atitude. Precisamos tratar a doença mental como qualquer outra doença; precisa ser tratada com seriedade. Como a doença mental não aparece num primeiro momento, às vezes a gente pensa que é uma tristeza passageira. Essa brecha, de não tratar, dá vazão a um excesso de sofrimento que pode levar ao suicídio.
Quais comportamentos indicam tendência suicida?
Ester – Silêncio além do normal, isolamento, a maneira de se portar mostrando mais sofrimento, fazendo postagens em tons de despedida e de morte; essa melancolia que transparece, o choro. Mas, há casos que acontecem de um dia para o outro. Não podemos colocar numa caixa e dizer que determinado perfil de pessoa vai se matar. Precisamos estar atento inclusive às crianças, pois elas também estão expostas a essa vida cheia de emoções. O Setembro Amarelo está aí para abrir a porta do diálogo e quebrar o tabu.
O que as pessoas do Vale podem fazer para a vida ser mais feliz?
Ester – Enquanto região, o principal desafio é o falar sobre o que se sente para família e amigos. Se não tiver liberdade com os que cercam, que procure um órgão especializado. Todos têm problemas, mas muitas vezes – e essa é uma questão da nossa geração – temos o excesso de coisas para fazer. Tentamos suprir o sofrimento com mais atividades. Se começo a demonstrar cansaço demasiado, vontade de chorar por nada, taquicardia, as mãos suam e as pernas tremem, eu preciso rever as prioridades; mudar a rotina – incluir exercícios, aprender a falar sobre a vida nas rodas de chimarrão, incluir a escuta profissionalizada.